Para compreendermos melhor a importância do surgimento do Tantra é preciso entender o contexto histórico em que ele nasceu, naquele momento a espiritualidade da Índia antiga estava baseada numa visão de separação com a natureza, para provar sua espiritualidade você deveria superar a natureza, deveria vencer e dominar seu corpo, seus sentidos e seus desejos. Os antigos brâmanes provavam isso através de meditações que duravam horas e dias seguidos.
Mas não pense que eles não sentiam dores nas costas e nos joelhos depois de suas meditações, assim como doem os nossos quando meditamos muito, mas isso para eles significava uma prova de sua espiritualidade, vencer as dores do corpo e superá-las.
Outros buscadores espirituais iam ainda mais longe, praticavam austeridades rigorosíssimas como meditar entre brasas de carvão num ambiente aquecido a 40gaus, deitavam em uma cama cheia de pregos, ficavam equilibrados sobre apenas um pé por dias, ou ficavam com o braço levantado por 12 anos, neste caso seu braço ficava com a musculatura atrofiada ferindo gravemente o corpo do praticante.
Era praticamente uma série de penitencias que eles voluntariamente praticavam para purificar seus corpos (que eram tidos como impuros por sua própria natureza humana), muito parecidas com as penitencias dos cristãos, porém na Índia eram auto infligidas. Suas motivações não eram altruísticas, se visava com a prática destas asceses aquisição de faculdades psíquicas, força sobre humana, benefícios espirituais, imortalidade, etc.
A visão do corpo como algo impuro que profanou o espírito era demonstrada na forma como se cumprimentavam mutuamente – Olá, como vai este monte de carne podre? – era uma perspectiva negativa do corpo, e de nossa natureza. Muito semelhante ao que o cristianismo ainda vive hoje em dia, ver os desejos e o sexo como pecaminoso, o corpo como algo profano, pagar penitências para se limpar das impurezas, etc.
Por volta de 500 d.C. começou a surgir uma visão mais otimista da natureza o Tantra, precisamos entender que o Tantra não era uma nova forma de religião pagã ou crença primitiva. O Tantra foi um desenvolvimento cultural que veio para mudar a visão que se tinha da nossa natureza e da nossa espiritualidade. Passaram a perceber que o corpo físico era uma manifestação do divino, os tântricos passaram a se cumprimentar – Como vai este templo sagrado? – Mostrando que a visão do corpo era agora como algo sagrado.
Enquanto na espiritualidade vigente buscava-se reprimir e superar os nossos cinco sentidos, como em uma técnica de meditação chamada pratyahara cuja técnica significava abster-se de seus sentidos a ponto de não percebê-los mais. No surgimento do Tantra esta mesma técnica passou a ser vista de outra forma, não se devia mais reprimir seus sentidos, mas sim aprimorá-los, pratyahara passou a ser entendido como uma reeducação de nossos sentidos.
O Tantra era uma cultura sensorial, as sensações e os sentimentos que antes eram entendidos como de natureza inferior, agora passaram a fazer parte do caminho espiritual, era uma filosofia desrepressora. Desenvolveu-se uma forma de espiritualidade voltada para as artes e para todas as coisas belas da natureza, proliferaram-se as manifestações artísticas da espiritualidade como as representações simbólicas das forças espirituais do planeta Terra, o desenho das deidades, as mandalas e os yantras são manifestações do tantra.
Era uma cultura voltada ao desenvolvimento de uma energia mais feminina, voltada para as emoções, os sentimentos e a intuição. Veio para equilibrar a energia masculina e repressora atuante na época. Os belos e elaborados rituais do Tantra era principalmente voltados para a energia sagrada feminina, que simbolizava a figura da mãe, diversas figuras estão entre as principais representações desta energia feminina que estava ligada a gestação e criação do mundo físico, o mundo fenomênico. Entre as grandes mulheres; Umma, a primeira; Pacha mama, a mãe Terra; Saraswati, a mãe dos rios; Durgha, a mãe do mundo; entre muitas outras representações não menos imporantes.
A visão sensorial do Tantra não é exclusividade do hinduísmo, foi um desenvolvimento cultural que atingiu diversas comunidades e religiões, como os budistas e os sufis, hoje em dia fale-se até mesmo de um cristianismo tântrico. Foi um percebimento de que o corpo é o nosso veículo para o crescimento espiritual e que cada encarnação é uma oportunidade única para o desenvolvimento de nosso espírito, por isso o corpo é um veículo sagrado. Esta visão por sua amplitude atingiu diversas outras culturas e as influenciou.
A partir da visão otimista do Tantra desenvolveram-se todas as técnicas do Hatha-yoga, os ásanas (posturas físicas) passaram a ser praticadas não mais como formas de demonstrar sua superioridade ao corpo e ao mundo material, mas como uma forma de aprimorar a sensibilidade do corpo, aperfeiçoar nossos cinco sentidos e nossos movimentos.
Praticando hatha-yoga com esta nova visão, as pessoas mais sensíveis perceberam uma rede de canais e centros energéticos, chamados chakras, que atuam no corpo e estão fortemente ligadas as nossas emoções. Desvendou-se o sistema de chakras que é a mais importante revelação do Tantra, a partir dessa descoberta foi possível tratar do espiritual através do corpo e vise-versa, o corpo agora era uma manifestação física de nosso espírito.
O Tantra foi uma libertação daquela espiritualidade repressora, foi uma expansão do conhecimento limitado, por isso Tantra: Tan= expansão; Tra= libertação. Foi um movimento libertador que começou a perceber o prazer e a beleza como parte de nosso caminho espiritual. Enquanto antigamente o espiritual era superar nossas necessidades fisiológicas no tantra passou-se a aceitar nossa natureza humana e nossas necessidades humanas como algo sagrado, não existe no mundo coisa impura, nem o sexo nem o prazer.
Tivemos grandes professores de Tantra na atualidade: Osho que ensinava que o prazer não esta afastado do caminho espiritual. Shivananda que era um grande professor de hatha-yoga ensinando o cuidado com o corpo e mente. No Brasil temos Paulo Murilo Rosas que desenvolveu um profundo estudo dos chakras relacionados à psicologia moderna.
Conta-se que buddha era uma praticante de austeridades junto com seu grupo de amigos meditadores, como o grande prazer de siddharta era a comida seu tapasya (austeridade) era o jejum, ao final de suas meditações e asceses ele estava muito magro se alimentando apenas com uma castanha por dia. Rompendo sua meditação ao levantar-se para beber água em um rio, viu um jovem bezerro sendo levado pela correnteza e se afogando, ele rapidamente entrou no rio para salvá-lo.
Siddharta estava tão fraco fisicamente que esgotou toda a sua força para trazer o bezerro à margem, quase se afogou junto com o animal para salvá-lo daquele rio. A jovem pastora que havia perdido seu filhote e o estava procurando viu toda a cena perplexa, achando que aquele ser magro e esbelto que quase deu sua vida pelo animal só poderia ser uma forma divina, em reverência, foi oferecer a ele um jarro de iogurte como oferenda pelo seu feito.
Quando siddharta viu a oferenda de alimento ele imediatamente rejeitou, mas naquele instante ele percebeu que estava tão fraco que mal poderia salvar um filhote, quanto mais salvar a si mesmo na dura jornada espiritual, decidiu aceitar o iogurte.
Ao beber foi inundado por uma energia revitalizante, este foi um dos momentos de iluminação do Buddha, quando compreendeu o caminho do meio, não o da extrema ascese nem da extrema indulgência, mas o equilíbrio entre esforço e relaxamento. O corpo humano e o prazer passaram a fazer parte de nosso caminho espiritual, o corpo não deveria mais ser negado e subjugado pela nossa força de vontade, era algo que deveria ser mais bem compreendido. Apenas para constar como nota; todo o budismo que conhecemos hoje em dia no ocidente é de origem tântrica.
Maithuna era o nome dado ao ritual sagrado onde o sexo passou a ser visto como uma representação simbólica da união cósmica dos princípios masculinos e femininos. O Sexo passou a ser uma manifestação do sagrado, isso foi belamente exposto no livro Kama-sutra que é uma literatura profunda sobre a sexualidade humana e a espiritualidade.
Este livro contém vários capítulos sobre a natureza espiritual do sexo quando praticado de uma forma ritualística, um dos capítulos descreve detalhadamente várias posições amorosas que equilibram energeticamente nossos chakras, infelizmente nas publicações ocidentais toda a parte ritualística e espiritual do kama-sutra foi suprimida sendo divulgada apenas a parte das posturas sexuais.
Isso mostra como esta filosofia pode ser facilmente deturpada, mostra também a superficialidade na forma como desenvolvemos este assunto. O Tantra ao ingressar na cultura ocidental foi muito mal compreendido, assim como também é mal compreendido na própria Índia, o Tantra começou a ser relacionado com libertinagem sexual.
A metáfora do Tantra em relação ao sexo esta relacionada à retenção do gozo e a energia da kundalini, o ensinamento do Tantra está no caminho do meio, no equilíbrio do esforço e do prazer. Diz-se que nunca devemos nos saciar completamente com o ato de prazer para que possamos manter nossa energia sempre viva e plena, que devemos reter o momento do gozo (através de técnicas de respiração, retenção e contração glandular) para nos mantermos sempre energizados e com a kundalini ativada.
Vamos analizar melhor esta metáfora, imagine que antes de ir dormir você esta lendo entusiasmadamente um livro muito interessante, no melhor do livro você o fecha e vai dormir. Sua vontade de continuar lendo o livro no outro dia vai ser intensa e isso vai motivar seu dia e enchê-lo de energia para que ao anoitecer você possa deitar em sua cama e retomar a leitura.
Se na mesma situação você não se controla, perde o horário e continua lendo o livro até a exaustão, lutando contra o sono e com seus olhos fechando a fim de ver no que o final do capítulo vai dar. No outro dia você estará exausto, cansado do livro, ao final da noite seguinte nem vai querer abri-lo porque já se sente saciado.
Este é o ensinamento do Tantra, saber parar no auge, nunca se saciar completamente, manter-se eternamente entusiasmado pela vida e aprender a usar seus desejos da forma correta e positiva. Nestes conceitos esta relacionada a energia da kundalini, energia serpentina, que é uma energia inesgotável e rejuvenescedora, energia que é estimulada pelo equilíbrio do desejo sexual e pela intensa motivação em viver o momento presente com consciência, assim enxergam os trântricos.