[Artigo escrito para o filme Yogawoman exibido na mostra Espiritualidade e Consciência no Cine farol Santander]
Boa tarde a todos, meu nome é André Oliveira sou professor de Yoga aqui em Porto Alegre faz 19 anos, e ao longo da minha jornada com Yoga eu tive a honra de ter muitas professoras mulheres, e a grande maioria das minhas alunas são mulheres.
Fiquei feliz de ver no filme Yogawonam o projeto e o trabalho de tantas professoras mulheres nos EUA que estão buscando na forma de lecionar yoga a sua essência, dando o seu toque feminino e não apenas replicando práticas criadas por homens, práticas masculinas.
Quero aproveitar o momento para exaltar as grandes professoras mulheres que temos aqui no Brasil: Dinah Rodrigues pioneira na pratica de Yogaterapia Hormonal para mulheres, lançou um livro com este nome. Lilian Aboin co-fundadora do Centro de Yoga Montanha Encantada. Letícia Dornelles, ministrou yoga para diversos alunos em Porto Alegre e hoje em dia coordena o Meditare Centre na Austrália. Suzana Shmith, psicóloga e grande professora e divulgadora do yoga. Celina Murliki, professora de Holos Yoga, coordena as atividades holísticas na Reserva da Laguna em Capão da Canoa. E Glória Arieira, professora de Vedanta a muitos anos no Rio de Janeiro.
O Yoga no Brasil oficialmente se iniciou em 1.936, com a vinda do francês Swami Asuri Kapila (1.901-1955) a Porto Alegre. Swami Asuri pertencia ao Ramana Ashram-Escola Internacional de Yoga e, em 1947, seu discípulo e amigo Sevananda Swami (Leo Alvarez Costet de Mascheville), do Suddha Dharma Mandalam, também francês e criador do Sarva-yoga (Yoga Integral) foi responsável por difundir o Yoga pelo Brasil formando a velha guarda do yoga.
A partir da década de 1950, algumas mulheres como a jornalista Glycia Modesta de Arroxellas Galvão começam a se destacar, escrevia uma coluna na revista “O Cruzeiro”. Em 1965, ela lançou o livro Yoga para Mulheres. Muitos dos praticantes de yoga a conheciam pelo pseudônimo Chiang Sing.
Em 1972, a paulista Maria Helena de Bastos Freire funda, em nível universitário, o primeiro curso de formação de professores de Ioga, com duração de três anos e meio.
Desde aquela época o Yoga tem se expandido cada vez mais ao ponto de a antropóloga Mariana Faiad Batista Alves afirmou “Hoje, no Brasil ou na Europa, você encontra mais [estúdios de] yoga do que na Índia”.
O Filme YogaWonam é um filme necessário e muito importante nos dias de hoje. Precisamos lembrar que a prática mais popular de Yoga no ocidente é Hatha-Yoga conhecido como yoga do corpo, a palavra Ha-Tha significa Sol e Lua, nós estamos praticando o yoga do Sol e Da Lua que simbolicamente representa o Masculino e o Feminino. No hatha yoga estamos buscando um balanço, um equilíbrio entre as qualidades masculinas e femininas, força e sensibilidade, as mulheres se tornando mais fortes e empoderadas e os homens mais sensíveis e amorosos.
A Índia, o berço do yoga, é um país de predominância da religião Hinduísta que é um sistema sectário que divide as pessoas em classes ou castas, e é um sistema extremamente machista, assim como o Islamismo e o Cristianismo, até hoje apenas homens podem ser padres e celebrar casamentos.
Até meados de 1900 a prática de hatha-yoga era proibida para mulheres na Índia, foi Krishnamacharya que ensinou a primeira mulher e foi a contra gosto. Ele ensinou yoga à primeira mulher apenas porque ela era amiga da família real de Mysore na Índia e insistiu muito. Ele impôs-lhe uma dieta e horários extremamente rigorosos (bem mais rigorosos do que o imposto aos homens) para ela desistir. Indra Devi tornou-se professora de yoga por Krishnamacharya e levou o yoga para a China e antiga União Soviética onde na altura o yoga era ilegal. Ela levou o yoga para Hollywood, escreveu um livro em 1953 (Forever Young) sobre yoga que foi best seller e foi professora de Marilyn Monroe, Greta Garbo e outras famosas da época.
O Yoga é muito importante para as mulheres, desenvolverem equilíbrio emocional e hormonal, força, independência, flexibilidade e bem-estar espiritual, mas também é importante que mais homens pratiquem yoga para desenvolverem a sua sensibilidade, amorosidade e respeito as minorias.
Quando estamos falando da prática do yoga estamos falando de algo que muda o nosso modo de vida na sociedade, ao praticar yoga procuramos um viver mais consciente em relação aos nossos relacionamentos, procurando relacionamentos mais saudáveis e sinceros, procuramos mudar os produtos que consumimos, desenvolver um consumo mais consciente e fugir do materialismo.
Yoga é um modo de vida, portanto praticar yoga é um ato revolucionário e um ato político. Vocês não vão se surpreender se eu disser que na Índia a prática do Yoga que é controlada pelos Brahmanes, sacerdotes homens que tem o monopólio do espiritual, está associado ao avanço da extrema direita e aos movimentos nacionalistas.
Quando o ocidente começa a ensinar Yoga, quando as mulheres começam a ensinar Yoga a prática começa a assumir as mais múltiplas formas, aulas de Yoga mais femininas, como o Yin-Yoga,o dance-Yoga, yoga para gestantes, yoga mãe e bebê ou Yogaterapia hormonal, são práticas mais voltadas para aquilo que a mulher precisa.
Com o surgimento de novos tipos de yoga, se deu origem a um grupo de pessoas que procuram reprimir qualquer espécie de yoga que fuja do padrão ortodoxo estabelecido, há um grande número de haters do yoga na internet, que tumultuam as postagens que consideram fora do padrão estabelecido.
Nós vemos também no meio do Yoga grupos e pessoas que se consideram donos do yoga, donos da verdade, em sua maioria homens intolerantes que pretendem ditar como o Yoga deve ser e como não pode ser e como os praticantes e professores de yoga devem se comportar, eu os chamo de os fascistas do yoga, são os que tentar eliminar qualquer forma de yoga que consideram herege.
Como o filme Yogawoman apontou que na índia antiga, na era Dravídica, o sistema era matriarcal, focado na mulher, a mulher era a xama, a curandeira, a vidente, foi após uma predominância masculina que forcou as mulheres a se retirarem da vida espiritual ao relegar o sacerdócio somente aos homens, isso veio com o surgimento dos Brahmanes.
Esse yoga masculino trazido da Índia pede que as praticantes mulheres adorem em seu altar o lingam que representa o falo de Shiva, representa o membro masculino e não a Yoni, que representa o órgão sexual feminino.
É preciso aumentar a participação e a influência das mulheres no Yoga, e aumentar a participação das mulheres no yoga não significa diminuir a participação dos homens, não estamos em uma disputa de gênero mas precisamos encontrar um ponto de equilíbrio entre ambos, não é concorrência.
Quanto mais variedades e formas múltiplas de yoga existirem mais rico será o campo do Yoga para os praticantes e mais pessoas vai alcançar, não pode haver discórdia entre os praticantes de yoga.
Foi essa mentalidade de concorrência, discórdia de subjugar e dominar o outro, o egoísmo, a ganância e o medo é isso que está levando a humanidade à guerra.
Para finalizar eu gostaria de trazer a atenção para um tema de muita importância que, ao meu ver, foi a única falta que o filme Yogawoman cometeu, foi não ter mencionado os diversos casos de abuso sexual existentes no meio do yoga, sempre por partes de professores homens que se consideravam, os mestres e os donos de suas discípulas, talvez esteja guardando este tema para a segunda edição do filme.
Todos esses casos que tratarei aqui são casos notórios de conhecimento da mídia, e ao mencionar determinados professores não estão condenando a pessoa mas sim o ato que ela cometeu, pois todas as pessoas cometem erros e podem mudar, e todos nós cometemos ações positivas e negativas em nossas vidas, portanto meu objetivo não é condenar o sujeito, apenas combater as ações, que considero danosas.
- Lembram de Sri T. Krishnamacharya, aquele que foi o professor de Indra Devi? Seu neto Kausthub Desikachar, filho de TKV Desikachar e neto de Sri T. Krishnamacharya, deixou o Krichnamacharya Yoga Mandiram e a Krichnamacharya Healing and Yoga Foundation devido a acusações de “abuso sexual, mental e emocional”, este artigo se encontra no Yoga Journal.com. Quatro mulheres apresentaram queixas formais à polícia na Áustria alegando o abuso.
- Também é notório caso de K. Pattabhi Jois, popular professor de Aṣṭāṅga Vinyasa Yoga falecido em 2009. Por décadas, este senhor aproveitou-se sexualmente das suas alunas através de manipulações e toques abusivos e totalmente inapropriados. No caso deste professor existem provas documentadas em fotos. Em um raro pedido de desculpas o próprio neto de Pattabhi Jois, Sharath Jois Rangaswami, admitiu a veracidade das denúncias das inúmeras vítimas dos abusos cometidos pelo seu avô.
- Um caso que foi muito comentado no Brasil é o caso de Janderson Fernandes, que as pessoas conhecem como Prem Baba, Prem baba, foi denunciado por abuso sexual por alunas que diziam terem recebido orientações de que fazer sexo com o guru seria a única forma para sua cura. Depois disso, ele veio a público para dizer que o seu celibato na verdade era feito em temporadas.
- O Terapeuta de Tantra Tadeu Horta, ou Deva Nishok 61 anos, é investigado por abusar sexualmente de uma voluntária na comunidade terapêutica, Metamorfose, ele se apresenta como seguidor do controverso líder espiritual Rajanesh conhecido como o Osho, da serie do netflix Wild Wild Contry
- O professor de Vedanta Jonas Masetti. Protagonisou um caso de misoginia e machismo, argumentou em uma Live durante a pandemia, aspas para Jonas “se uma aluna de Yoga é abusada pelo professor, na correção de uma postura (asana), e volta para a aula é porque ela gosta de ser assediada e provavelmente conta isso como vantagem para as amigas.” Ele ainda minimizou abordagens desrespeitosas por parte de professores chamando-as de “abuso leve”.
Existe mau caratismo e machismo em todas as áreas e profissões, no yoga não é diferente e por esse motivo devemos estar sempre alertas, desenvolver discernimento e denunciar quando houver casos de abusos.
Quando o Yoga não evolui junto com seus praticantes ele corre o risco de trazer consigo conceitos ultrapassados, como divisão de classes, machismo, homofobia, preconceito, alienação e abusos de todos os tipos. Não podemos repetir os erros do passado.
O projeto Yogawoman é muito bem-vindo pois é importante discutir o yoga, o yoga está vivo e se desenvolvendo através de nós.
O professor André Oliveira estará ministrando o Retiro de Yoga e Meditação no Centro de Yoga Montanha Encantada em Garopaba, SC nos dias 18 à 20 de Março.
Inscrições abertas:
CONTATO:
51 98201 3336
c\ André Oliveira